terça-feira, 10 de julho de 2007

Pé na Estrada Nelson Rodriguiano

Entre um pigarrear e outro ele abria-se resoluto:

- Meu bem, tenho que ir-me. Não quero que entendas, somente que aceite. Sabes que te amo, e como te amo, mas amor maior tenho pela minha alma, e essa pede que eu vá, essa, com pernas a ditar-lhe, avisa ao corpo que os pés já estão de partida. É o tornar-me quem sou, é o caminho das minhas pedras, meu on the road...

Já acostumada ao lirismo do seu pequeno, com longas e intermináveis oratórias repletas de conteúdos e autores, ela olhava-o sem muito espanto. Sabia que o destino do moço era andar, e seu sexto sentido já havia avisado-a da proximidade do evento. Portadora de uma alma ciumenta, mas de nobreza inigualável, contorcia todos os músculos de seu corpo de bailarina a forçarem-se em expressão de compreensão e apoio.

- Chuchu, sabes que também te amo. Sabes como te quero por perto, mas te quero feliz. Quero que este brilho nos teus olhos corra o mundo e volte para a sua estrela bailarina. Vai em busca do teu sorriso, vai, não tarda a voltar assim que encontrá-lo. Não se despeça mais, até a volta...

Espantado com o coração da mocinha, sorriu-lhe o seu sorriso de procura e saudou-a já caminhando de costas em direção à porta, “até a volta, meu amor”.

Partiu assim, em despedida alegre. Despedida com feições de reencontro, seu reencontro. O céu arrumou-se para preparar espaço para sua mais nova estrela. Como foram seus ídolos, foi a mão ao bolso em busca de uns cigarros, os companheiros mais assíduos dos viajantes literatos e sem novos hábitos a inovar; acendeu o cigarro e andou até a estação de espera do ônibus destino. Sua grande mochila serviu-lhe de encosto na longa espera, feita longa pelos seus recém completados 24 anos a sonhar...

A lotação norte varria o asfalto possuída naquela noite branca. Sua rota tranqüila foi interrompida por um sujeito traído e cruel que tomou o ônibus de assalto com vistas de atropelar a mulher e o dito cujo no bar nordeste. Com cano em cabeça, o condutor era proibido de frear. Inútil e previsto dizer que, aterrorizado e ensebado de suor, mal viu a ponta de um cigarro recostado em uma sacola. Sentiu mais o estalar de ossos por sob as rodas.

Morreu ali, seus sonhos inscritos no asfalto com excremento e sangue.
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Mateus Souza

7 comentários:

elaine disse...

Acho que o início ficou muito bom, já do final eu não gostei muito,...

Christiane Freire-Gari disse...

Mateus, execelente. Me Rogriguiano mesmo, adorei ! Explore esse lado, e bom demais. Beijo

Anônimo disse...

run Forest, run! =D

Anônimo disse...

Querido, sou sua fã quase que icondicional. Amei! Mas me deu uma certa náusea.
Vivo no Rio, no Rio atual, no Brasil atual, e, seu conto é poesia e realidade, é fantasia e verdade.
Ando meio muito cidadã-brasileira-enjoada-enojada-com-a-nossa-atual-realidade-de-violência-e-guerra.

De qualquer maneira, parabéns!

Vitor Souza disse...

Acho que te saquei, Mateus.
Nosso blog ainda vive!

oldharbourlass disse...

Ahhh eu sabia que ele morreria. foi sair de casa. rebelde.

eu gostei. Só que eu teria matado ele sem muitos rodeios. só por preguiça. :)

Escrivinhações do Feuser disse...

Mateus, beleza.
Precisamos usar mesmo o blog.