sexta-feira, 23 de março de 2007

POR UM MUNDO MELHOR

Eram versos curiosos, de uma música (*) estranha, em que no título aparecia a palavra blues, mas que eu não sabia bem se tratar de um blues. Enfim, versos estranhos que diziam assim:

“Onde estão os caras que lutavam no dia-a-dia,
Sem perder a ternura jamais?“


E a música seguia, ainda esquisita:

“Onde estão os caras que desenhavam novas cidades
Em guardanapos na mesa de um bar?”


— Ele está falando do Collor? — perguntou meu pai, logo depois que o refrão também perguntou:

“Onde estão as provas, onde estão os fatos?
As boas novas eram só boatos?”


— Porque contra o Collor não provaram nada! — o velho completou.

— Ele não está falando do Collor, não. — respondi distraído. — Acho que é uma outra coisa...

Meu pai saiu. Foi ver televisão. Meu sobrinho chegou. A música foi reprisada mediante a ação de dedos que ainda não haviam se acostumado ao micro-system daquela casa.

— Você gostou dessa música, tio?

Ouvi mais um verso antes de responder:

“Onde estão os caras que pregavam no deserto?
(O deserto continua lá)”


— Ele está falando de todas as ideologias, que um dia pregaram que o mundo poderia ser melhor. Gostei dessa música, sim, Gui.

O garoto sentou ao meu lado para ouvimos juntos o trecho mais sinistro da canção:

“Onde está o teatro mágico só para iniciados?”

Fiquei pensando se uma indagação como essa última poderia fazer algum sentido para um guri brasileiro, de 13 anos, que vive no interior do estado de Santa Catarina. Para mim, gente-grande, o verso me remete os seguidores de Aleister Crowle e seus rituais secretos e teatrais, movidos a LSD, lá pelos idos da década de 60. Aliás, todos as partes dessa música me remetem às grandes promessas de transformação que certos visionários pregaram ao longo do século 20. Promessas de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna: Promessas de um mundo melhor!

Uma agradável nostalgia (é sempre agradável à nostalgia) se impôs ao momento, e imagens oriundas da contracultura (que não vivi) sacudiram minha mente por entre as marés da história. E me senti bem. Mas depois me sinto mal:

Sabe, as pessoas desistiram! Nos anos sessenta, especificamente em 1968, uma imensa onda de insatisfação pareceu ter engolido todo o planeta. Focos de resistência ao sistema espalharam-se feito uma saudável praga: “a primavera de praga”, “a noite das barricadas”, “Woodstock”... Mas a onda perdeu a força, quebrou e retrocedeu. A resistência afrouxou. E o que restou? Esse mundo de guerra e fome, onde uma nação monopolizou um poder que deveria ter sido distribuído.

“Onde estão os atos de bravura e rebeldia
(Ternura guerreada dia-a-dia)?”


Infelizmente não tenho esperança com relação ao nosso mundo. Gostaria de poder fazer um discurso otimista, mas não dá. O ceticismo é mais forte do que eu. O grande oceano do capitalismo absorveu toda a onda da esperança.


Vitor Souza

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(*) Música “Segunda-Feira Blues”. Engenheiros do Hawaii.
Dançando no campo minado. BMG, 2003.

4 comentários:

. disse...

taí, gostei mesmo!

Anônimo disse...

“Onde está o teatro mágico só para iniciados?”

palavras memoráveis do lobo da estepe...

muito bom vítor.

Anônimo disse...

“Onde está o teatro mágico só para iniciados?”

palavras memoráveis do lobo da estepe...

muito bom vítor.

oldharbourlass disse...

pô Vitor, a gente se entrega porque já pensa que vai ser derrotado...
não podemos perder os sonhos, nem as atitudes...
talvez eu fale isso por ser jovem demais...
meu maior medo em crescer é ficar cinza demais. é desistir de sonhar.