segunda-feira, 26 de março de 2007

DE BICICLETA

Edson Feuser





Quando tenho insônia, saio de dentro de casa como quem foge de abelhas, passo a mão na minha bicicleta, e com a cara ao ar, pedalo noite adentro pelas ruas da cidade. Nas primeiras noites em busca de sei lá o que, tudo passava, sem tamanho, cor, endereço, era tudo parte de um torpor afogativo que só me impulsionava. Depois, como num estalo que o hipnotizador desperta o hipnotizado do transe, fui redescobrindo, o meio fio, os paralelepípedos, buracos de ruas de chão batido, as casas, as ruas, os prédios públicos, as fábricas, pontes, postes, mercados, açougues e a escola onde estudei até o segundo grau.
Como as coisas materiais estavam novamente em minha percepção, minha imaginação que me mantinha incomunicável, resolveu fazer contato. Como numa luz de uma visão, me avisou que pessoas viviam por detrás daquelas paredes e que eu os conhecia, tão bem que os havia deletado do consciente por não concordar com os papéis que representavam. Após, na primeira casa que passei, identifiquei as pessoas que ali moravam, dona Carla, casada há vinte anos com seu Marcos da padaria e seus quatro filhos: Maria Rogéria, Magda, Robson e Cláudio. Maria Rogéria era muito gostosa e insinuante, adorava rebolar e levantar a parte de trás da camisa para que os peões da obra por onde passasse olhassem com tesão sua bunda empinada. Namorava por conveniência com o filho do relojoeiro mais rico da cidade e tinha um fincante semanal na cidade vizinha que visitava toda quinta no horário do cursinho de inglês. Magda, minha rainha da bronha, tinha dezesseis... ai ai. É impiedoso para um quarentão sossegar os devaneios libidinosos com uma garota de dezesseis. Robson e Cláudio eram gêmeos uni vitelinos, do tipo cara de um, focinho do outro. Um pouco efeminados pelo carinho excessivo distribuído pela mãe e irmãs. OOOOOOOOOOOOOOO PORRA-, mas eu sou burro-, fico pensando nos outros e deixo a roda da bicicleta passar por um buraco e estourar o pneu. Que merda, oito quadras a pé. Bom, só assim me canso.

2 comentários:

oldharbourlass disse...

"tão bem que os havia deletado do consciente por não concordar com os papéis que representavam."

parte que mais curti...


mas valeu pelo humor da coisa toda.

Vitor Souza disse...

Eu ia comentar a mesma passagem que o(a) t.s.a., mas vai outra: "minha imaginação que me mantinha incomunicável, resolveu fazer contato". Me identifiquei bastante.