terça-feira, 3 de abril de 2007

Vida em Potencial

Sabemos até onde nossos sonhos podem nos levar, sabemos que não existem limites para nossa imaginação, sabemos porém construímos barreiras em torno de nossa sensibilidade para manter os pés no chão do conformismo. Sabemos que merecemos mais do que a matriz moderna da vida pode nos oferecer e sabemos que desejamos mais do que nos é oferecido.
Gostaria de saber como é sentir o que outros já sentiram. Sentir os versos dos poetas que amamos tanto. Sentir a inspiração para os quadros já pintados, ver as musas dos grandes artistas no espelho. Queria poder dizer o que já foi dito para concubinas vitorianas, escrever as cartas que receberam as virgens prometidas das guerras napoleônicas. Pensar no que já foi pensado, dispensar os limites de nossa individualidade. Conhecer sobre o que cantam os passarinhos, respirar o que respiram os peixes no mar, refletir a paz dos destinos dos rios.
Merecemos a vida que está longe de nosso alcance, porém nos ancoramos para ver o único horizonte que nossos olhos enxergam. Sonhamos no que está além de nossa visão, sabendo que lá vivem todas nossas satisfeitas expectativas. Queremos ir além do horizonte, esse horizonte dinâmico que se adapta constantemente para nos fazer continuar desejando o que não temos. Estendemos a mão para alcançar aquilo que deixamos de ver quando piscamos. Seguimos nossos passos, dando voltas em torno de nossas humanas limitações. Sentimos nosso sangue se reciclar como nossas vidas. Sabemos que não existe o amor perfeito, porém nunca deixaremos de procura-lo, convencidos que ele poderá um dia passar por debaixo de nossos narizes. Saímos ao sol todos os dias, quem sabe é hoje que seremos iluminados por algo além dos raios solares. Encaramos as estrelas com expectativas que em uma delas a gente veja o reflexo de nosso destino. Sonhamos alto, pois é tudo que temos.
Rabisco versos em minha pele, forçando uma forma pessoal de stigmata. Buscando deus no sangue que escorre pelo braço, meu merecido conforto. Todos merecemos segredos. Conversamos com a angústia e combinamos futuros encontros. Olhamos no espelho para ver se dessa vez gostamos do que vemos. Rezamos para os deuses panteístas ao chorar mais uma lagrima de desilusão. Engasgando no concreto das intermináveis cidades. Os rios cochicham lindos versos que se elevam à luz divina, e quando eu canto, as montanhas também cantam. Vemos que os pesos que carregamos não precisam ser cicatrizes, são apenas meros arranhões insignificantes perante o que é real.
A vida em potencial não é o que sentimos. Não é o que vemos. A vida em potencial não é o que queremos que ela seja, ela é sempre o resto. É aquilo que poderíamos sentir, o que poderíamos ver, é aquilo que talvez gostaríamos que ela fosse. Lemos os livros de outras vidas, apreciamos as pinturas de outras percepções, cantamos os refrões de outros sofrimentos, tentando por apenas um minuto sentir o que poderíamos sentir. Estamos em uma busca eterna atrás daquilo que nunca iremos encontrar, sem nunca perder a esperança. Temos que encarar a vida de cara, sempre. Encarar a vida de cara para poder depois descarta-la. Aceitamos os minutos. Aceitamos os dias. Aceitamos a vida.
Nos limitamos ao falso conforto da vida completa, a romântica visão do "o que mais posso querer". Ignoramos o óbvio para andarmos em linhas retas. Queremos a vida em potencial, mas nossos limites não nos permitem. Nós somos a evolução da aceitação desse raciocínio. Não podemos viver a vida como ela pode ser, portanto criamos uma versão genérica da mesma. Uma vida que reflete nossos limites como seres humanos. A busca pela vida em potencial é um caminho a ser percorrido só, com estradas que só o indivíduo pode construir e percorrer, com hotéis de beira de estrada onde somos os recepcionistas e o hóspedes, gurus e aprendizes. A estrada do conhecimento só termina quando nos afastamos demais do rio e deixamos de ter acesso à água--o elixir da vida--nosso comforto realista. Seres mortais, aventureiros da subjetividade, se infiltrando sempre mais adentro da densa floresta de possibilidades. Fugindo do elixir da vida, morrendo a cada passo. Curiosos, olhos brilhando como os das crianças, nos aprofundando no infinito da percepção. Sacrificamos a vida em comforto para podermos aprender o que a vida é exatamente. Entramos na interminável floresta para nunca mais voltarmos e, se voltarmos, sabemos que tinha muito mais para ser visto. Com o rabo entre as pernas, voltamos à estabilidade, o refúgio para se esconder da vida como ela pode ser. Um suave suicídio espera quem tentar a compreender.

-Guilherme Rocha
A Moita Suspeita

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito Gui!
Sabe quando lemos aquilo que gostaríamos de dizer????
É isso Gui...É isso!!!! :)