quarta-feira, 7 de março de 2007

Notas de Guardanapo


Já andava cansado de me esgueirar bêbado pelos becos imundos daquela minúscula cidade. Algo muito louco e lisérgico havia acontecido, mas não sabia dizer o que exatamente.

-Quando sai o ultimo ônibus pra cidade?
-Não sei, já está tarde. Deve ter saído.

Putz, onde iria dormir com 10 reais? E a fome? Decidi por um café. Um bom cafofo na rodoviária parecia interessante. O cardápio ficava no guardanapo (escrito mesmo de caneta, naquele porta-guardanapo de inox de lanchonetes), e tudo continua esquisito demais. Uma média. Preço: um sorriso convincente. Hãn? Como um pão com café custaria um sorriso? Onde diabos estou?

-Uma média, por favor!
-Com essa cara, não dá nem pra água. Não leu o cardápio?
-Eu pago porra! Não aceitam dinheiro aqui não é?

O cara se convenceu (ou comoveu-se com minha cara de ameixa faminta) e me deu um pão duro com um pouco de café com leite. Mais café do que leite. Comi avidamente, e continuava a estranhar tudo, inclusive minha fome. Havia uma escadinha que, deduzi, daria em alguns quartos. Resolvi subir. Uma bonita moça de pernas cruzadas tomava café numa mesinha suja. Por algum motivo pensei que era ela a responsável pelo lugar e resolvi lhe pedir um quarto. É engraçado imaginar a quantidade de armas que alguém pode guardar nas baias da alma, pois, ao ser perguntada sobre o preço (dos quartos, obviamente), a moça deu de ombros lançando-me uma gargalhada estridente e perguntou: -Fedido, tenho eu cara de puta? Cara de puta? Mas eu só pedi um quarto merda! Ela deveria estar sem foder há alguns dias, senão não me compreenderia tão mal (mal? Pregas do inconsciente...). O fato é que poderia dormir com ela, mas não depois disso. Resolvi esperar nas ruas o amanhecer para tomar um ônibus

O ônibus me encontrou babando e dormindo no banco da parada, encostado numa lavadeira de ombros gordos e macios. E foi ela mesma quem me avisou da chegada, ao que eu agradeci imensamente. Ela bem que poderia ser minha mãe, me dando seu colo carnudo de trabalhadora, e me avisando das chegadas e partidas. Minha mãe, mesmo muito amiga, nunca havia sido dada a afagos, e aquele ombro sonhou-me o mais próximo de maternal que pude experimentar. A passagem custou o suficiente para que eu tomasse apenas um café na estrada. Procurei um lugar confortável para me sentar, silencioso para ser mais preciso, mas o único disponível era ao lado de um cara magro, com muitas tatuagens de santos, do tipo dos “chicanos” de prisões americanas. Bom, vamos lá, pensei.


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Mateus Souza (republicando revisado)

5 comentários:

Anônimo disse...

Caramba! Belo conto. Gostei mesmo.

Abraços!

Anônimo disse...

tambem axei bem leagl...parabens

Mauricio Baroni disse...

vc escreve bem. Parabéns.

Anônimo disse...

Gostei, gostei!!!! (eu não tinha re-lido ainda)

Guilherme N. M. Muzulon disse...

Bacana, chapa.